Ainda a propósito da Concentração dos Amigos de 31 de Janeiro (post anterior), veio-nos à lembradura um escrito de um home cá das nossas bandas, um tal de Abílio, nome de Guerra: Junqueiro, em que azougava cá este Pôbo que aguentava tudo sem o arreganho de um couce... Foi isso em 1896, pouco depois do 31 do Porto. - Bem, a resposta teve-a poucos anos depois, quando dois mais estreloucados mataram o rei (e um era trasmontano!!) em Lisboa, e logo a seguir mandaram abaixo a monarquia e puseram a república. Mais de um séc'lo aos depois, há coisas que parece que não mudam. Atão aqui vai:
"Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas
é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está,
nem para onde vai;
um povo, enfim,
que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso
da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro
de lagoa morta (...) Uma burguesia,
cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do
mal,
sem palavras,
sem vergonha,
sem carácter,
havendo homens
que, honrados (?) na vida íntima,
descambam na vida pública
em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do país,
e exercido ao acaso da herança,
pelo primeiro que sai dum ventre
- como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos (...),
sem ideias,
sem planos,
sem convicções,
incapazes (...)
vivendo ambos do mesmo utilitarismo
céptico e pervertido, análogos nas palavras,
idênticos nos actos,
iguais um ao outro
como duas metades do mesmo zero,
e não se amalgamando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no
parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"
Guerra Junqueiro, in "Pátria", 1896.
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