domingo, 20 de janeiro de 2013

AFINAL SEMPRE EXISTEM…

Conheci ontem um. Foi-me apresentado. Fazia 30 anos. Rapazito aparentemente de origem humilde, de lugar próximo cá da aldeia. A conversa recaiu nos dias que correm e nos males que nos atingem. Política, ou politiquice. Comunistas?, ai cruzes, abrenúncio! Os tempos que correm são consequência do “Grande Regabofe” – expressão minha, imodéstia aparte, mas traduzindo o que ele queria dizer, referindo-se aos tempos do crédito fácil e do passo maior que a perna. Os conceitos que tinha pareciam ter sido todos bebidos nos lugares-comuns da cassete neo-liberal caseira, injectada pela maioria somada PSD/CDS que se (nos)governa. A culpa era toda do desvario das pessoas que tinham gasto mais do que deviam, que deu nisto, que tínhamos de pagar, pelo que era preciso cortar, cortar!... Cortar no Estado, no Estado Social, pois claro, funcionários públicos, grandes parasitas. Contra-argumentei com o serviço público prestado às pessoas e à vantagem se desfrutar de serviços sem o acréscimo de mais-valias. Que nada!, a privada é que era, e que resolvia tudo muito melhor e mais barato. Pensões aos idosos? Num extremo de argumentação, o rapaz dá o exemplo da própria mãe, que nunca descontou para a segurança social e que até estava a beneficiar da reforma, tal como muita gente que não descontou e tinha igual benesse. Para o dito cujo, só quem descontou (ou pagou para um seguro de reforma) é que devia receber. Daqui se depreende que aos velhinhos que nunca descontaram para a Caixa, era dar-se-lhes uma injecção atrás da orelha quando chegassem à idade da “improdutividade” e do peso-morto, como se dizia, noutros tempos, que os tais comunistas iriam fazer quando chegassem ao poder.

Quis saber mais sobre o jovem. Que fazia? Era, estava-se a ver, um “jovem empresário”, certamente de elevado potencial. Vim a saber que do sector agro-pecuário e, disseram-me, bastante trabalhador (e eu a pensar que era um yuppie serôdio do séc. XXI). Não chegara a concluir o 12º ano, metera um projecto agrícola e vivia da terra e das ovelhas, lá na aldeia. Nessa zona não há grandes quintas, nem o rapaz era filho de grandes agrários (ao que julgo saber).

Constituía grande mistério para mim como é que num país pobre e a caminhar para miséria maior, partidos de direita neoliberal ganhavam eleições e, somando votos, chegavam até a maiorias governativas. No que toca à Tugalândia, tendo em conta sobretudo o resultado das últimas eleições, julgava eu que tal só se explicava pelo descontentamento relativamente às políticas restritivas ditadas pela conjuntura da grande crise internacional e por cá iniciadas pelo partido esquerdo do Centrão. Porque, aplicando-se o princípio da circunstância de Ortega y Gasset (“eu sou eu e a minha circunstância”), ser-se pobre e miserável não se coaduna com “opções de classe” (no jargão marxista) por partidos que representam os grandes interesses económicos. Desde as lutas sociais da Roma Antiga (de que ficaram registos escritos) se sabe que é assim. Bem, é claro que a Propaganda consegue ludibriar muita e boa gente, mas…

Continuando a perfilhar desta teoria da correlação entre situação/condição social e opção política, a verdade é que, afinal, sempre há gente que, ludibriada por uma condição social aparente (“sou empresário”) engrena nas doutrinas hiper-neoliberais de uma cassete que lhes foi impingida por um PREC ao contrário (como disse Pacheco Pereira no artigo anteriormente aqui postado). Faltou-me perguntar ao tal jovem “empresário agrícola” (dantes dizia-se “lavrador”, mas agora “empresário agrícola” soa melhor), dizia, que me faltou perguntar-lhe se recebeu algum apoio do IFADAP, IAPMEI, ou de programas comunitários (LEADER, PRODER, etc.) para o seu investimento. É evidente que eu, parasita social (porque funcionário público) até sou favorável a esse tipo de apoios, para fomento da produção. Mas, quem repete a cassete neoliberal anti-Estado social, em consciência, deveria rejeitar qualquer apoio desse tipo. Não contestamos, obviamente, esse estímulo gerador de “retorno” económico, por parte do Estado (estrutura representativa de todos nós, que tem também por missão potenciar o desenvolvimento económico, o que mais justifica a sua existência e não o seu aniquilamento, como parecem visar os teóricos neoliberais). Mas, para além dessa função, o Estado tem outras que aos privados não interessam, porque não geram o tal “retorno” financeiro desejado, como sejam, por exemplo, a da Cultura “latu sensu”, ou a promoção da prática desportiva (que não o desporto de massas que consegue ser auto-sustentável e constitui grande negócio, como se sabe), para não falar nas funções sociais de assistência, como sejam a saúde ou a protecção social de pessoas que trabalharam toda uma vida e, no final, não são lixo, ou inúteis a abater. E para não falar, também, na igualdade de oportunidades na Educação, pois de outro modo só os filhos dos grandes senhores (com dinheiro para altos colégios)poderão continuar a replicar o seu estatuto de casta dominante, bloqueando toda e qualquer possibilidade de igualdade social e de escolha dos melhores, por mérito e não por mais possibilidades económicas e privilégio de casta.
O pecado capital do Capitalismo é a promoção de um anti-valor, a Competição, com total desprezo pelos valores da Solidariedade humana, que, no limite, procurará substituir pela caridadezinha. Assim, o Capitalismo, é o resultado económico-social e político da afirmação do gene predador e do instinto mais primário que vem ainda das fases primevas da savana africana. É a doutrina do “homo homini lupus” de que falavam os teóricos socialistas do século XIX. Podemos dizer que o primeiro indício de humanidade ocorre no momento luminoso em que o primeiro antepassado partilhou o seu alimento com o seu semelhante, o confortou e o ajudou no seu sofrimento, rompendo com o individualismo natural e animalesco da competição ou do egoísmo.

O Humanismo evoluiu depois para além da materialidade do alimento e das coisas, e alçou-se no sentido de uma evolução espiritual, superando a mera “techné”. A Civilização é o somatório de tudo isso, da matéria e de espírito, e surge como corolário de um processo que teve no centro, para bem e para mal, o Estado, que é o poder organizado em função dos governados e elemento coordenador das sociedades humanas. E o Estado sempre existiu desde o Egipto faraónico passando por toda a Antiguidade oriental e clássica, reinos medievais ou repúblicas contemporâneas. Ora, desmantelar uma tal estrutura, em nome de uma "modernidade" económica de resultado duvidoso, arrastará necessariamente a uma regressão civilizacional. Parece ser o que pretende esta “Revolução” neoliberal, sob a batuta de criaturas sem nome e sem rosto, que se escondem atrás dos deuses Mercados, e encontra agentes servis nos partidos do Sistema. A partir de onde, a coberto de crises provocadas, debitam a sua cassete que chega até a encontrar eco junto de incautos adeptos aqui ao nível da aldeia real/local que nós conhecemos. Ontem conheci um desses, fazendo-me lembrar os incautos de outros tempos – que, pelos vistos, as cassetes não são exclusivas de um dado lado.

M. Giesta

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