Quis saber mais sobre o jovem. Que fazia? Era, estava-se a ver, um “jovem empresário”, certamente de elevado potencial. Vim a saber que do sector agro-pecuário e, disseram-me, bastante trabalhador (e eu a pensar que era um yuppie serôdio do séc. XXI). Não chegara a concluir o 12º ano, metera um projecto agrícola e vivia da terra e das ovelhas, lá na aldeia. Nessa zona não há grandes quintas, nem o rapaz era filho de grandes agrários (ao que julgo saber).
Constituía grande mistério para mim como é que num país pobre e a caminhar para miséria maior, partidos de direita neoliberal ganhavam eleições e, somando votos, chegavam até a maiorias governativas. No que toca à Tugalândia, tendo em conta sobretudo o resultado das últimas eleições, julgava eu que tal só se explicava pelo descontentamento relativamente às políticas restritivas ditadas pela conjuntura da grande crise internacional e por cá iniciadas pelo partido esquerdo do Centrão. Porque, aplicando-se o princípio da circunstância de Ortega y Gasset (“eu sou eu e a minha circunstância”), ser-se pobre e miserável não se coaduna com “opções de classe” (no jargão marxista) por partidos que representam os grandes interesses económicos. Desde as lutas sociais da Roma Antiga (de que ficaram registos escritos) se sabe que é assim. Bem, é claro que a Propaganda consegue ludibriar muita e boa gente, mas…
Continuando a
perfilhar desta teoria da correlação entre situação/condição social e opção
política, a verdade é que, afinal, sempre há gente que, ludibriada por uma
condição social aparente (“sou empresário”) engrena nas doutrinas
hiper-neoliberais de uma cassete que lhes foi impingida por um PREC ao
contrário (como disse Pacheco Pereira no artigo anteriormente aqui postado).
Faltou-me perguntar ao tal jovem “empresário agrícola” (dantes dizia-se
“lavrador”, mas agora “empresário agrícola” soa melhor), dizia, que me faltou
perguntar-lhe se recebeu algum apoio do IFADAP, IAPMEI, ou de programas
comunitários (LEADER, PRODER, etc.) para o seu investimento. É evidente que eu,
parasita social (porque funcionário público) até sou favorável a esse tipo de
apoios, para fomento da produção. Mas, quem repete a cassete neoliberal
anti-Estado social, em consciência, deveria rejeitar qualquer apoio desse tipo.
Não contestamos, obviamente, esse estímulo gerador de “retorno” económico, por
parte do Estado (estrutura representativa de todos nós, que tem também por
missão potenciar o desenvolvimento económico, o que mais justifica a sua
existência e não o seu aniquilamento, como parecem visar os teóricos
neoliberais). Mas, para além dessa função, o Estado tem outras que aos privados
não interessam, porque não geram o tal “retorno” financeiro desejado, como sejam, por exemplo, a da
Cultura “latu sensu”, ou a promoção da prática desportiva (que não o desporto
de massas que consegue ser auto-sustentável e constitui grande negócio, como se
sabe), para não falar nas funções sociais de assistência, como sejam a saúde ou
a protecção social de pessoas que trabalharam toda uma vida e, no final, não
são lixo, ou inúteis a abater. E para não falar, também, na igualdade de
oportunidades na Educação, pois de outro modo só os filhos dos grandes senhores
(com dinheiro para altos colégios)poderão continuar a replicar o seu estatuto de casta dominante, bloqueando toda
e qualquer possibilidade de igualdade social e de escolha dos melhores, por
mérito e não por mais possibilidades económicas e privilégio de casta.
O pecado
capital do Capitalismo é a promoção de um anti-valor, a Competição, com total desprezo pelos valores da Solidariedade humana, que, no limite,
procurará substituir pela caridadezinha. Assim, o Capitalismo, é o resultado
económico-social e político da afirmação do gene predador e do instinto mais
primário que vem ainda das fases primevas da savana africana. É a doutrina do “homo homini lupus”
de que falavam os teóricos socialistas do século XIX. Podemos dizer que o
primeiro indício de humanidade ocorre no momento luminoso em que o primeiro
antepassado partilhou o seu alimento com o seu semelhante, o confortou e o ajudou
no seu sofrimento, rompendo com o individualismo natural e animalesco da
competição ou do egoísmo. O Humanismo evoluiu depois para além da materialidade do alimento e das coisas, e alçou-se no sentido de uma evolução espiritual, superando a mera “techné”. A Civilização é o somatório de tudo isso, da matéria e de espírito, e surge como corolário de um processo que teve no centro, para bem e para mal, o Estado, que é o poder organizado em função dos governados e elemento coordenador das sociedades humanas. E o Estado sempre existiu desde o Egipto faraónico passando por toda a Antiguidade oriental e clássica, reinos medievais ou repúblicas contemporâneas. Ora, desmantelar uma tal estrutura, em nome de uma "modernidade" económica de resultado duvidoso, arrastará necessariamente a uma regressão civilizacional. Parece ser o que pretende esta “Revolução” neoliberal, sob a batuta de criaturas sem nome e sem rosto, que se escondem atrás dos deuses Mercados, e encontra agentes servis nos partidos do Sistema. A partir de onde, a coberto de crises provocadas, debitam a sua cassete que chega até a encontrar eco junto de incautos adeptos aqui ao nível da aldeia real/local que nós conhecemos. Ontem conheci um desses, fazendo-me lembrar os incautos de outros tempos – que, pelos vistos, as cassetes não são exclusivas de um dado lado.
M. Giesta
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