sexta-feira, 12 de julho de 2013

A NOVA IDADE MÉDIA

Sabem aqueles que nos conhecem, que há anos defendemos a teoria de que a Europa e o Ocidente iriam entrar numa nova Idade Média. Começámos a intuir o problema durante o tempo do Grande Regabofe (em Portugal, no final do Cavaquismo e durante o Gueterrismo), anos 90 do séc. XX, quando toda a gente batia palmas ao "Portugal de sucesso", à "nova Europa" pós-queda do Muro, e, depois ao fatídico €uro...  A verdade é que partimos de um aforismo popular (cá da Aldeia), segundo o qual, onde se tira e não se põe, acaba! O Povo sabia isso quando semeava o cereal e tinha anualmente de encher os celeiros. Deixou-se (aliás, matou-se) a Agricultura, como se desmantelaram as pescas (em Portugal), há muito que não há recursos minerais de jeito, não só em Portugal, como no resto da Europa.

No quadro global, estava-se a ver a emergência dos BRIC's (Brasil, Rússia, India e China), e a perda de influência da Europa e, consequentemente dos EUA. Todo o know-how foi transferido para algumas dessas paragens para melhor se aproveitar a mão-de-obra barata que lá havia. Acontece que eles aprenderam, começaram a "contrafazer" e vão comprando as "marcas", porque foram fazendo o seu próprio caminho de acumulação capitalista. Para cúmulo, a imigração e o multiculturalismo abriu as portas aos novos "bárbaros" que, não tarda nada, serão os "novos europeus" e ocidentais (se algum dia se "ocidentalizarem"). Ora, a Idade Média é exactamente o tempo que leva a barbárie a adaptar-se à Civilização.

Nunca pensámos que este processo decorresse de forma tão rápida... Pensámos que levaria uns 30 a 50 anos, mas tudo aconteceu em menos de 10.... Será que serão também agora mais rápidos os tais "mil anos sem um banho" que foram a outra Idade Média?

Já depois de vislumbrarmos o problema, nos anos 90, tivemos conhecimento de um livro do pensador francês Alain Minc, sobre essa ideia de uma nova Idade Média e de um Novo Feudalismo. Curiosamente, agora, um outro grande pensador francês, Serge Halimi, volta a insistir na expressão e no tema. - A História está (infelizmente) a dar-nos razão... E o que nós vimos a partir aqui d'aldeia, estas mentes lúcidas e brilhantes estão a vê-lo também a partir da Cidade das Luzes... Será que mais ninguém ainda o notou, a partir de Bruxelas, Berlin, Washington...

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Para reflexão, aqui fica, com a devida vénia do "Le Monde Diplomatique", jornal de pensamento de referência, que muito recomendamos:

Idade Média europeia

Será que as políticas económicas impostas pelo defesa do euro são ainda compatíveis com as práticas democráticas? A televisão pública grega foi criada depois do fim de uma ditadura militar. Sem autorização do Parlamento, o governo que executa em Atenas as imposições da União Europeia fez a escolha de a substituir por um ecrã negro. Antes de a justiça grega ter suspendido esta decisão, a Comissão de Bruxelas podia ter feito lembrar os textos da União segundo os quais «o sistema de audiovisual público nos Estados-membros está directamente ligado às necessidades democráticas, sociais e culturais de todas as sociedades». Mas preferiu caucionar o golpe, argumentando que este encerramento se inscrevia «no contexto dos esforços consideráveis e necessários que as autoridades estão a desenvolver para modernizar a economia grega».
Os europeus passaram pela experiência dos projectos constitucionais rejeitados por sufrágio popular e ainda assim homologados. Recordam-se dos candidatos que, depois de se terem comprometido a renegociar um tratado, o ratificaram sem que entretanto eles tivessem sido alterados numa vírgula sequer. Em Chipre, foram obrigados a sofrer uma levantamento autoritário em todos os seus depósitos bancários [1]. Agora foi ultrapassada mais uma etapa: a Comissão de Bruxelas lava as mãos da destruição dos media gregos que ainda não pertencem a armadores, desde que isso permita despedir imediatamente 2800 assalariados do sector público, que ela detesta desde sempre, e que permita cumprir os objectivos de eliminação de empregos ditados pela Troika [2] a um país em que 60% dos jovens estão no desemprego.
Esta obstinação coincide com a publicação pela imprensa norte-americana de um relatório confidencial do Fundo Monetário Internacional (FMI) que admite que as políticas postas em prática na Grécia desde há três anos se saldam por«fracassos flagrantes». Será este erro unicamente imputável a previsões de crescimento que foram maquilhadas? Sem dúvida que não. Segundo a descodificação feita pelo The Wall Street Journal de um texto que não podia ser mais palavroso, o FMI admite que «uma reestruturação imediata [da dívida grega]teria sido um negócio melhor para os contribuintes europeus, porque os credores do sector privado foram integralmente reembolsados graças a dinheiro que Atenas pediu emprestado. A dívida grega não foi reduzida, portanto, passou apenas a ser agora devida ao FMI e aos contribuintes da zona euro, em vez de o ser aos bancos e aos fundos especulativos» [3].
Assim, estes fundos livraram-se, sem perder um cêntimo, dos empréstimos que haviam feito a Atenas a taxas de juros astronómicas. Imagina-se que uma tal maestria na espoliação dos contribuintes europeus, em benefício dos fundos especulativos, confere uma autoridade particular à Troika para martirizar mais um pouco o povo grego. Mas, depois da televisão pública, não haverá ainda hospitais, escolas ou universidades que podiam ser fechados sem dificuldade? E não apenas na Grécia. Porque é este o preço a pagar para que toda a Europa entre na corrida triunfal para a Idade Média, não é?…
 
sexta-feira 5 de Julho de 2013

Notas

[1] Ler «A lição de Nicósia», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Abril de 2013.
[2] Constituída pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central Europeu (BCE).
[3] «IMF Concedes it Made Mistakes on Greece», The Wall Street Journal, Nova Iorque, 5 de Junho de 2013.

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