segunda-feira, 15 de abril de 2013

A oficina do aprendiz de feiticeiro


São estes tempos férteis para a esterilidade.
São tempos em que, metaforicamente falando, se fuzilam uns aos outros e todos acabam por sobreviver.
Na política, por exemplo, o milagre da ressurreição já se banalizou.
Nestes tempos, até os milagres já não surpreendem.
Vivemos no tempo das matrioskas – de imagem em imagem, terminando em imagem minúscula que chega até nós, ao interior algures a nordeste.
Vivemos no tempo em que criaturas vão à missa pedindo a Deus perdão pelos seus pecados, mas com a condição de Deus não perdoar os pecados dos outros.
Vivemos no tempo em que a lealdade não passa de uma abstração que nem uma loja de chinês se arrisca a comprar.
A lealdade não compensa.
Vivemos no tempo dos “miguelistas” (Relvas, por extensão, não vão os monárquicos desembainhar o sabre), espertos, de pé ligeiro que abusam do clã e mentem à tribo.
Vivemos no tempo em que a ética se esconde num bolso roto e a Moral não passa de uma estátua a quem vendaram os olhos.
Vivemos no tempo em que a res publica (o serviço cívico) em que é estabelecido que servir é servir-se.
E aí estão eles preparados para o ludíbrio, anunciando o pensamento de Eduardo Lourenço quando não atingem sequer a “profundidade” das letras de Tony Carreira.
São melífluos mas ignaros, submissos mas desleais, bajuladores mas ingratos.
Vivemos no tempo em que se rompe o fio ténue que separa o tráfico de influências da corrupção.
Em linguagem encriptada estabelecem compromissos que depois rejeitam, avançam com promessas que sabem não cumprir. E no segredo da sua falta de consciência vão elaborando teias que podem seduzir mas acabam sempre por prender.
São as sereias de Ulisses.
Aprendizes de feiticeiro não fizeram o trabalho de casa, leram em diagonal o livro de S. Cipriano e nunca ouviram falar de Maquiavel. E o Mestre Feiticeiro congratulou-se pela sua incompetência.
Indignados e “resignados”, encostamo-nos ao pórtico e, entre a dúvida à beira da descrença, vejamos este tempo, neste espaço não mar, não rio mas charco, como o nosso tempo, não o que sonhámos mas aquele a que estamos condenados.

Marco Aurélio.

1 comentário:

  1. Esta crónica de Marco Aurélio é uma estreia, num exclusivo para o nosso Blogue, pelo que daqui lhe enviamos muito grão saudar, pela limpidez da prosa e o certeiro do que nos diz. Marcus Aurelius, o mais conhecido, foi imperador de Roma entre os anos de 161 e 180. O império parecia que ainda estava para dar e durar, apesar das contínuas guerras. Todavia, parecia que uma certa nostalgia emanava já dos escritos desse imperador filósofo, discípulo de Epitecto, o estóico. Muito estóicos (resistentes à dor) teremos de ser nestes tempos que atravessamos. Tal como o imperador-filósofo, também o nosso parceiro de Blogue, digo, desta Aldeia, se apresenta desencantado pela putrefacção deste charco que quase corresponde geografiacamente ao velho império... Os Bárbaros já estão cá dentro, mas, desta feita, o Cristianismo parece estar "demodé", mau grado as boas intenções do papa Francisco. Há 2.000 anos um profeta disse a um cego, lá para as bandas da Palestina, antes de ser martirizado: "a tua Fé te salvou..." - que fé nos salvará hoje? em quê? em quem? - ontem vi um debate na RTP, em que a estrela era um desses profetas da desgraça, Medina Carreira de seu nome... Acabei deprimido. Parecia uma discussão de cegos, em que ninguém conseguia vislumbrar uma luz. Como chegámos aqui? como sairemos daqui? Vale ainda a pena nascer e viver? - Marcus Aurelius, o imperador-filósofo,citando Demócrito, disse que "o mundo é apenas mudança; a vida apenas opinião". Se as crises fazem parte dessas mudanças do Mundo, que outra opinião podemos ter para o regenerar? Mais desta "receita" neoliberal?
    Dizei-me vós.
    vosso,

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