--- DECADÊNCIA OU NÃO DECADÊNCIA ---
Abordando o tema da decadência, apetece-me tratá-lo de dois
ângulos que se laçam e entrelaçam: a decadência e a não decadência.
Quanto à primeira… na civilização do Iluminismo, da Revolução
Francesa, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, da igualdade de géneros, da abolição da
escravatura, da exploração Espacial, da vanguarda legislativa sobre trabalho ou
o ambiente, dos mais baixos índices de pobreza, dos mais altos índices de
riqueza ou da solidariedade, continuamos a levantar o silício, prostramo-nos e
aceitamos muitas vezes por bagatelas (as mais evidentes nestes tempos são as
religiosas) e em nome de uma igualdade (que no fundo é totalmente desigual)
renegarmos todos estes princípios fundadores.
Enquanto continuamos a discutir o sexo dos anjos, Constantinopla é
conquistada.
Numa biografia de Salazar (sinceramente não me recordo se na
de Franco Nogueiro ou na de Filipe Ribeiro Menezes) lhe perguntam o porquê da extensão temporal da Guerra
Colonial, muito secamente responde: à espera que Ocidente acorde e atine.
Não serão, a venda e o esquecimento dos nossos princípios a
grande decadência? Ontem como hoje os trinta dinheiros e a cegueira são os
imperadores do mundo.
Mas indago, não estará decadência nas pequenas ações e observações?
Ainda esta semana uma aluna do secundário me fez a seguinte
interpelação no início da aula? O professor gostava de andar na escola? – sim.
Tanto gostei que ainda hoje para além de professor ainda sou estudante.
Retorque ela: eu também gosto, mas gosto é dos intervalos e dos colegas! Porque
é que temos de ser avaliados às matérias que estudamos? – porque não estou aqui
para avaliar, cores de cabelos ou o tamanho das unhas de gel mas geografia. Não
convencida, volta à carga: porque é que temos de andar na escola? Não serve
para nada! Confesso – embora sendo pacifista – que me apeteceu fazer uso das
técnicas da escola primária…. No entanto fiz-lhe ver que as suas observações
eram ridículas e desproporcionadas por duas coisas: por ser mulher (e pela sua
luta) e pelo analfabetismo (e a sua carga negativa). Indiquei-lhe que se por
acaso tivesse nascido 500 km mais a sul, a sua opinião seria totalmente diferente.
Não percebendo o comentário, alguém teve de lhe explicar que me estava a
referir a Marrocos e o que implica ser mulher nos países árabes e pior: mulher
analfabeta! Não atingiu a magnitude do comentário!
Quanto ao “tempo das meias-tintas”, já Pessoa dizia: Ninguém
sabe que coisa quer./ Ninguém conhece que alma tem,/ Nem o que é mal nem o que
é bem. /(Que ânsia distante perto chora?)/ Tudo é incerto e derradeiro. /Tudo é
disperso, nada é inteiro. Ó Mundo
hoje és nevoeiro.
Aliás, muitas dessas questões, levantadas no texto, “DECADÊNCIA
DO OCIDENTE - mais sinais do Fim...” se as vivêssemos em Eras passadas seriam
processadas pela moralidade e pela ética religiosa (religião no geral e não
obrigatoriamente a Católica) traçando a linha entre o aceitável e o intolerável
de modo a preservar a normalidade das sociedades terrenas e celestiais. Mas
quem traça essa linha ética e moral, hoje? Estaremos, nós os ateus/agnósticos a
cair no duplo paradoxo de i) não acreditar no fenómeno religioso, mas a “rezar”
para que ele não acabe? e ii) se no século XIX, a causa da decadência (no caso
Portugal por Antero de Quental) fosse a religião agora esta decadência esteja
hoje ligada ao rarear da religião? Um tema que com tempo se hão-de gerar alguma linhas reflexivas.
Voltando ao nosso mundo mais rústico e telúrico onde o
pensamento é simples e claro como a água ou como a poesia de Caeiro, ergue-se a
máxima: a necessidade aguça o engenho.
Será que esta nossa decadência começa por não termos a necessidade e o
consequente engenho? Esta onda de depressões não será um reflexo da perda de
argúcia e de resiliência?
Quanto à segunda…pergunto se grande parte do mundo não
gostaria de viver na nossa decadência. Nãos seremos o pior dos cegos? Isto é,
aquele que não quer ver e que apenas nos queixamos de barriga cheia? (que é
incomparável melhor que nos queixarmos de barriga vazia). E que esse queixume
não é apenas um reflexo do nosso inconformismo e resultado de uma busca
incessante pelo novo e pelo diferentes embora muitas vezes seja pior que o que
tínhamos ou nem sequer o consigamos compreender na sua totalidade? Afinal de
contas quem prefere ver o “Olhar o Mundo” onde um bando de chatos comenta
geopolítica quando pode tomar o seu shot de reallity show instantâneo? Não
seremos apenas aquela personagem hipocondríaca que pensa que tem todas as
doenças e toma remédios impulsivamente, quando afinal tempo apenas uma unha
encravada?
Estará a sociedade decadente, estarão as ideias e os
princípios decadentes, os dois ou nenhum?
Post scriptum: Cara Cristina, felicito-a pelo texto e pela
bela explicação e distinção entre educação, biologia e antropologia.
Ti Ago
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