Realmente, quando do outro dia ouvimos esta tirada de um alto responsável do partido do (des)governo, um tal de Montenegro, sobre que isto (a Tugalândia) até já está melhor, mau grado os tugas estarem piores, bem, deu-se-nos um nó no cérebro ao tentarmos dilucidar a momentosa opinião. Pensámos em comentá-la aqui pela Aldeia, mas, o tempo passou e passou o momento.
Eis então senão quando mão amiga nos faz chegar este recorte de José Victor Malheiros (in Publico, 4.03.2014), que em boa hora veio em nosso socorro - de leitura obrigatória:
«O país do PSD não precisa de pessoas
José Vítor Malheiros
A vida das pessoas não está melhor, mas a vida do país está muito melhor.” A
frase, de Luís Montenegro, o risonho líder parlamentar do PSD, merece entrada em
qualquer colectânea de citações políticas e mesmo nos manuais de história contemporânea.
Não pela profundidade do pensamento, como nos melhores casos, mas pela clareza
da ideia que expõe, que no caso vertente resulta de uma mistura de simplicidade
e de desfaçatez. A primeira parte da tirada (“A vida das pessoas não está
melhor”) não levanta dúvidas a ninguém e merece a concordância de todos. Há
menos emprego que quando este Governo tomou posse, há mais desemprego, há mais
desempregados sem apoios sociais, há mais pobreza, há mais sem-abrigo, há mais
fome, há mais desespero, há mais jovens sem dinheiro para estudar, há mais
portugueses a emigrar por falta de perspectivas, há mais jovens qualifi cados a
emigrar, há mais medo, há menos liberdade, há menos apoios sociais, há menos
acesso à saúde, há menos formação, há menos escolas, há menos serviços no
interior, há maior conflitualidade, há menos confiança nas pessoas e nas
instituições, etc. A lista exaustiva é impossível de tão longa e, por trás de
cada estatística, escondemse milhares de tragédias pessoais, de histórias que
não deviam existir num país
desenvolvido no século XXI.
O que é de mais difícil compreensão é aquele “a vida do país está
muito melhor”. É difícil porque é preciso um enorme esforço conceptual para
separar este “país” que está “muito melhor” das “pessoas” que “não estão melhor”.
Que país é este de que fala Montenegro?
Que entidade é esta que está tão longe e tão separada das pessoas
que é possível que uma esteja muito melhor e as outras muito pior?
Existem muitas defi nições de estado (suponho que é do estado que
fala Montenegro) mas praticamente todas elas consideram uma comunidade
organizada politicamente, com um governo e um território. Que país é então este
que está bem quando as suas pessoas estão mal? Que componente do país é que
está melhor? Será que Montenegro fala do território? Não parece ser.
Referir-se-á Luís Montenegro ao Governo?
Será o Governo a parte do país que está “muito melhor”? É inegável
que o executivo ganhou um novo vigor e que conseguiu construir um discurso
positivo em torno da ideia de “fi m do programa de ajustamento” que, por vácuo
que seja, parece ter convencido alguns incautos e paralisado ainda mais o PS.
Mas mesmo Luís Montenegro sabe que seria excessivo identifi car Governo e país.
Este país que está “muito melhor” parece ser algo mais amplo que a comissão liquidatária
a que chamamos governo.
Mas então que país é este que está “muito melhor” e que não são as
pessoas? É simples: o “país” de que fala Luís Montenegro não é o nosso país. O “país”
de que fala Luís Montenegro não é Portugal. O “país” de que fala Luís Montenegro
é, simplesmente, o capital.
O que Luís Montenegro quis dizer foi que “A vida dos trabalhadores
não está melhor, mas a vida do capital está muito melhor”.
Basta substituir estas poucas palavras para tudo bater certo. A
vida dos dirigentes do PSD está muito melhor (basta ver como se congratulavam
todos no último congresso).
A vida dos dirigentes do CDS está muito melhor. A vida dos
banqueiros está muito melhor. A vida dos grandes empresários está muito melhor.
A vida dos multimilionários está muito melhor. A vida dos advogados que
trabalham para o capital está muito melhor. A vida dos empresários que baixam salários
e despedem trabalhadores com opretexto da crise está muito melhor. A vida dos
empresários sem escrúpulos está muito melhor. A vida dos empresários que vivem à
conta das PPP está muito melhor. A vida dos corruptos que nunca são condenados está
muito melhor. A vida dos que têm as empresas registadas na Holanda e o dinheiro
nas ilhas Caimão está muito melhor. A vida dos empresários da saúde que vêem as
suas clínicas aumentar a facturação à custa da destruição do Serviço Nacional de
Saúde está muito melhor. A vida dos empresários da educação que vêem as suas escolas
aumentar a facturação à custa da destruição da escola pública e dos subsídios do
estado está muito melhor. E depois, à volta destes, há um segundo anel de
empresários de serviços de luxo, de serviços “diferenciados” e “exclusivos”, que
servem os primeiros, cuja vida está também muito melhor.
O que Luís Montenegro quis dizer foi que “A vida do povo não está
melhor, mas a vida da oligarquia que manda no país está muito melhor”.
Foi por isso que se congratulou. Porque ele faz parte dela.
Que isso constitua uma traição às promessas do PSD, à
social-democracia que voltou a ter direito de menção no último congresso, ao
interesse nacional, ao povo que o elegeu é algo que não preocupa Montenegro ou
o PSD. Como diz com honestidade o multimilionário Warren Buff ett, “há de facto
uma luta de classes e a minha classe está a ganhar”. A diferença é
que Buff ett tem uma certa vergonha. E Montenegro não tem vergonha nenhuma.»
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