quinta-feira, 6 de março de 2014

Ainda o (des)Acordo Ortográfico - uma lição de Angola

O "Jornal de Angola", espécie de órgão oficial do poder político de Luanda, tornou-se cá pela nossa "aldeia" algo conhecido pelas suas tiradas normalmente cheias de ressentimentos freudianos "anti-tugas" e em defesa da oligarquia plutocrática (e cleptocrática) que o paga. É compreensível, pois que se não deve cuspir no prato em que se come. Caso para perguntar: e por cá, será diferente? - Vozes do dono, há-os em toda a parte...
O que não significa que o pessoal que lá trabalha seja estúpido. Simplesmente são escribas, e o escriba, a mando de (ou para agradar a) quem manda, tem que fazer o seu papel.
Não sabemos se o editorial que se segue foi ou não a mando de alguém, mas a verdade é que é acertadíssimo! Ao defender a Língua Portuguesa desta maneira, quando por cá certas luminárias a procuram desfigurar em nome não sei de que estúpidos interesses, ou procurando "interpretar" o entendimento alheio (leia-se dos outros povos da CPLP), o Jornal de Angola está a fazer mais pela Lusofonia do que todos esses institutos camões ou entidades públicas e académicas tugas. É caso para se dizer que o "tuguismo", desta feita, na questão linguística, está do lado de cá (excepção e honra seja feita a algumas personalidades, como Vasco Graça Moura, p. ex.), enquanto a portugalidade está do lado angolano.
Quase que nos faz lembrar um pai cota a querer armar-se em adolescente, virando-se para o filho: "então meu, tá tudo jóia? - hoje tá um dia de baril para curtir umas garinas..." - enquanto o filho, estranhando o linguarejar ridículo do velho, o corrige: "oh, pai, será que estás bom da cabeça?"
Em face disto, e da velha tonta que parece ser esta Tugalândia, só me apetece dizer: "Baketo, Jornal de Angola, por este momento de lucidez e de tentares pôr algum juízo em algumas cabeças desmioladas que por aqui andam..."

- Subscrevo inteiramente o Editorial que se segue, pois que a Língua Portuguesa, velha de séculos, haurida do antiquíssimo Latim que foi a primeira língua de comunicação universal unindo povos do Médio Oriente à península Ibérica e do Norte da Europa ao Norte de África, é hoje um património comum de todos os seus falantes. E se deve ser enriquecida pelos diversos contributos nacionais, se deve considerar, em cada parte do globo a sua especificidade, não pode adulterar e rasgar o original, em nome de uma fotocópia de má qualidade.

Aqui vai, então:

Editorial do “Jornal de Angola”:

«Património em risco

Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e
em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e
Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a
discussão do tema na próxima reunião de Luanda.
A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto
estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses,
goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só
porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua
Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou
de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse
impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige.
 
 
Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais
respeitáveis que sejam, ou às "leis do mercado". Os afectos não são
transaccionáveis. 
E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa. 
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses (?) da última metade do Século
XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se
seguiram, sobretudo os que lançaram o grito "Vamos Descobrir Angola",
deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única.
 
Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o
português. Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes
da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa
maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das
nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das
nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o
Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular.
Do "português tabeliónico" aos nossos dias, milhões de seres humanos
moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.
 
Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam
as preciosidades.
 
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os
jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem
fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala
quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões
éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da
linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos
se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar
aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
 
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse
acentos ou consoantes mudas.
 
O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem
informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso
acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem
mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E
também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam
correctamente o português.

 
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de
passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível.
Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre
aproveitar-se social e economicamente por saberem mais. O Prémio Nobel da
Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou
com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito
simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!

 
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados
a saber mais.
E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é
outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e
varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza
inestimável
para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é
falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características
únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço
da CPLP. A escrita é "contaminada" pela linguagem coloquial, mas as
regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma
grafia, não é aceitável que, através de um qualquer acordo, ela
seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja
uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e
não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras.»

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