Quando soube há tempos (e agora reli em certa entrevista) que o longínquo Timor-Leste oferecia um milhão de dólares a Portugal a propósito dos incêndios do último verão, comovi-me profundamente. Dei comigo de olhos razos ao lembrar-me do povo mártir, do cemitério de Santa Cruz, dos anos da resistência depois do abandono tuga, da invasão indonésia e de uma terrífica guerra civil. Lembrei-me de, nos livros da escola primária (do tempo da "outra senhora"), se evocar o heróico régulo D. Aleixo que ousou afrontar os ocupantes japoneses na 2ª guerra mundial apenas com zagaias, lembrei o monte Ramelau que aprendíamos ser o mais alto de Portugal, o culto da Senhora de Fátima em que se cantava "enquanto houver portugueses, tu serás o seu amor", em Díli. Soube também do culto da bandeira das quinas, mesmo durante a ocupação indonésia, a pontos de na hora do milagre da independência, um homem velho ter oferecido uma, que havia escondido, enterrado-a, ao então presidente da república portuguesa.
De comum com os tugas, no que estes terão de descendentes dos lusitanos, o facto de serem também, infelizmente, um povo que não se governa nem se deixa governar. Mas, por outro lado, ainda que possa haver aí alguma opinião mais recalcitrante ou indiferente em relação ao velho colonizador, não consta que lá exista o anedotário recalcado dos "irmãos" brasileiros, para quem a maior vergonha é terem sido colónia do mísero Portugalzeco, o mesmo se passando com os de Angola. É por estas e outras, que acho que isso do "império", de ex-colónias ou PALOP's, são para esquecer. Que cada um siga o seu caminho, nada mais. Apenas com essa grande excepção que se chama Timor-Leste.
Acho que foi preciso atravessar os mares e chegar aos confins do globo, para encontrar verdadeiros irmãos de sangue num povo tão diferente, tão exótico. Que viram eles em nós que não se quiseram entregar aos que lhes ocuparam a outra metade da ilha, uns piratas do norte da Europa? E que remorso nos fez mover quando finalmente descobrimos o seu martírio e nos levou a ir, de novo, ao seu encontro? Talvez a solidariedade dos pequeninos, dos pobres, dos excluídos. E será essa solidariedade do pobre que na hora de alguma abundância deu um pão ao irmão que tinha fome, que nos é devolvida, num gesto tão tocante e tão cheio de significado, a lembrar a parábola do óbulo da viúva relatada no Evangelho de S. Marcos (XII-41-44), em que Jesus disse, sobre uma pobre mulher que deixara umas moedas no templo, que fora que mais dera, pois era tudo o que tinha. Também aqui, na verdade, o contributo de Timor-Leste foi mais generoso do que o dos "irmãos" europeus, com a cínica Alemanha à cabeça. Não falando dos agora novos-ricos Brasis e Angolas, que ameaçam cortar relações e escorraçar o pobre tuga, sob qualquer pretexto, mas que, no fundo, é por não passar de um mendigo andrajoso que destoa nesse novo clube de ricos...
Por isso, o gesto timorense é mais tocante e cheio de significado, num tempo e num mundo em que a gratidão passou a ser uma palavra vã entre os povos como entre os indivíduos.
Por isso me apetece atravessar os mares, procurar essa meia-ilha e ilhéus adjacentes, e depois de beijar o seu chão sagrado (como um papa não fez), abraçar todos os Timorenses um a um, e dizer-lhes simplesmente: "Obrigado! obrigado irmãos, por me fazerdes acreditar que ainda há gente boa no mundo... "
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