Confesso que até tinha uma boa impressão desse sr. Nuno Crato, antes do cavalheiro ter ido para o governo. Pelos bitaites que por vezes mandava, na fase pré-governo, parecia até ser um tipo sensato. Mas, ao constatarmos este seguidismo relativamente à tal agenda híper-neoliberal de um "governo" destes, ninguém acredita que o homem esteja a fazer o que faz a contragosto. Se está a ser obrigado, há uma solução: demite-se e diz "não contem comigo para isto!". Não o fazendo, é claro que concorda. O que não espanta, pois é sempre de se desconfiar de tipos que vieram da famosa "escola" da extrema-esquerda MRPPaica, e, quais neófitos, quando chegam a lacaios do capital têm de procurar esconjurar esses "devaneios de jumentude", procurando ser mais papistas que o Papa...
Neste cenário de ataque à Escola, à Função Pública, às reformas dos pensionistas, à Saúde, etc, quando patifes banqueiros (e qual o não é?), como um certo Jardim (Gonçalves), ainda hoje acusado pelo caso BCP, mas que seguramente nada lhe acontecerá, como a outros banqueiros ligados a outras siglas, enfim, ainda há quem acredite nesta gente???
Mas, sobre o caso do ataque ao Ensino Público, melhor do que nós, aqui fica pela pena do Professor Santana Castilho este artigo de opinião publicado no "Publico" de hoje (2013.09.11):
«Privatizem tambéma nuvem que passa
Santana Castilho*
O ano lectivo que agora se inicia está marcado, pobremente marcado: pelo afastamento da profissão de muitos e dedicados professores; pela redução, a régua e esquadro, sem critério, de funcionários indispensáveis; pela amputação autocrática da oferta educativa das
escolas públicas, para benefício das privadas; pela generalização do chamado ensino vocacional, sem que se conheça qualquer avaliação da anterior experiência limitada a 13 escolas e agora estendida a 300, via verde de facilitismo (pode-se concluir o 3.º ciclo num ano ou dois, em lugar dos três habituais) e modo expedito de limpar o sistema de repetentes problemáticos; pela imposição arbitrária de decisões conjunturais de quem não conhece a vida das escolas, de que as metas curriculares, a eliminação de disciplinas, o brutal aumento do número de alunos por turma e as alterações de programas são exemplos; pelo medo do poder sem controlo, que apaga ao dobrar de qualquer esquina contratos de décadas e compromissos de sempre; pela selva que tomou conta da convivência entre docentes; pelo
utilitarismo e imediatismo que afastou a modelação do carácter e a formação
cívica dos alunos; pela paranoia de tudo medir, registar e reportar, para cima,
para baixo, para o lado, uma e outra vez, e cujo destino é o
lixo, onde termina toda a burocracia sem sentido; pelo retrocesso inimaginável, a que só falta a recuperação do estrado e do crucifixo.
Providencialmente no tempo (imediatamente antes de se concretizar mais
um despedimento colectivo de professores, que marca o ano lectivo) vieram a público dados
estatísticos oficiais.
Primeiro disseram-nos que em 2011/2012 tivemos nos ensino básico e
secundário menos 13.000 alunos que no ano anterior. Depois, projectando o
futuro, prepararam-nos para perdermos 40.000 até 2017.
Providencialmente, no momento, omitiram que, de Janeiro de 2011 a
Junho deste ano, desapareceram 47.000 horários docentes. Políticos sérios não
insinuam que esta redução de docentes se deve à quebra da natalidade.
Trapaceiros, sim.
Nada justifica a desumanidade com que se trataram os professores
contratados. Nada justifica o ministerial sadismo de obrigar ao ritual do Fundo
do Desemprego, por escassos dias, aqueles que acabarão por ser contratados.
Nada justifica o anacronismo de impor um exame de selecção a quem já é
professor há uma década e mais, ao mesmo tempo que se entrega a leccionação de
disciplinas curriculares a quem nem sequer tem habilitação científica na área.
Na Educação acabaram as subtilezas e perdeu-se a vergonha. Se
Fernando Negrão, juiz de carreira e deputado de circunstância, expressou
vincado desacordo pelo ensino da Constituição nas escolas, se Passos Coelho
clamou pela “União Nacional” e, raivoso com o quinto chumbo constitucional (que
impediu o despedimento sem justa casa dos funcionários públicos e foi significativamente
decidido por unanimidade) recorreu à boçalidade de linguagem para referir
explicitamente os respectivos juízes e, implicitamente, o Presidente da
República, por que razão seria Crato recatado e decente? Na mesma altura em que
a falácia da “liberdade de escolha” foi o argumento para um passo determinante
na privatização do ensino e para a ampliação sem peias das parcerias público-privadas
na Educação (outra coisa não são os contratos de associação já vigentes), o
preclaro ministro cerceou a liberdade de escolha relativamente às escolas
públicas, quando não autorizou o funcionamento de turmas constituídas em função
das decisões dos alunos e das famílias. A engenharia social e económica que o
Governo acaba de consumar com a aprovação do novo estatuto do ensino
particular, a consumar-se com a regulamentação sucessiva que se espera, não se
afastará daquela que protege as rendas escandalosas dos sectores energéticos,
bancários, das rodovias e outros. Eis o Estado do futuro, o Estado escravo,
cujo poder deixou de ser delimitado pela lei. Uma vez mais, a Constituição da
República acaba de ser revista por decreto do Governo, que derrogou o carácter
supletivo do ensino privado nela contido.
A agenda escondida com o objectivo de fora deste Governo é a
substituição do Estado social possível, laboriosamente construído em 39 anos de
democracia, por um Estado neoliberal, redutoramente classista. Para o
conseguir, e a coberto do fantasma da falência, o Governo tem-se encarniçado em
reduzir o Estado a funções mínimas de obediência aos titereiros do regime,
privatizando o resto. Como fixou Saramago naquele belo naco de prosa que nos
deixou desde Lanzarote, não escapará “a nuvem que passa” nem o sonho, “sobretudo
se for diurno e de olhos abertos”. Pela mão de Passos e de Crato, abriu o
assalto final à Educação. Não lhe declararam a privatização, como fizeram com
a água. Mas, sorrateiramente, com melífluas justificações, querem consumá-la.»
*Professor do ensino superior. - s.castilho@netcabo.pt - in Publico, 2013.09.11
Sem comentários:
Enviar um comentário