Na verdade, vivemos o tempo das "causas", essa grande bengala de uma certa "gauche" urbana pseudo-"bem pensante" que anda a par do famoso "politicamente correcto".
E, para pensar, aqui vos fica:
Tempo de
‘causas’
Jose Antonio Saraiva
| SOL - 2019.11.23
O que estas
pessoas não percebem é que estas ‘causas’ vão todas no mesmo sentido: a
desresponsabilização individual. Os migrantes, os toxicodependentes, as
mulheres que abandonam ou matam os filhos, são todos vítimas, não são
responsáveis por nada. No limite, não há responsáveis – porque os próprios
criminosos comuns também não têm culpa de o ser, pois nasceram na ‘pele’ errada
ou a sociedade atirou-os para a marginalidade e o crime.
Um leitor,
José Alberto Allen Lima, enviou-me por estes dias um curioso e-mail sobre uma
apresentação a que assistiu, onde se defendia a tese de que cada época tem a
sua ‘mania’.
Resumo a
ideia, com algumas alterações.
Nos anos
50, a afirmação social fazia-se muito através do ‘emprego’ – e havia uma
profissão em ascensão, a dos empregados bancários, gozando de boa situação
financeira, vários privilégios (como uma cooperativa exclusiva) e um certo
prestígio social.
Nos anos
80, a diferenciação fazia-se pelo ‘local’ de habitação. Viver no Restelo ou no
Areeiro, por exemplo, era sinal de estatuto. Mas viver na Amadora ou na Margem
Sul tinha o sentido oposto.
No ano
2000, as pessoas passaram a distinguir-se pelo ‘consumo’, e surgiu a obsessão
pela roupa de marca. Todos, a começar pelas crianças, queriam usar roupa de
marca. A coisa começou a declinar com a proliferação das contrafações: as
falsificações eram tantas, que a maior parte da roupa de marca era falsa e o
seu uso passou a ser sinal de ‘parolice’.
Em 2018
entrámos no tempo das ‘causas’. As pessoas distinguem-se por terem
‘causas’. Causas ideológicas e causas ambientais.
Tudo hoje
se transforma em ‘causa’. É a causa dos sem-abrigo, a causa dos toxicodependentes,
a causa dos transexuais, a causa do aborto, a causa da eutanásia, a causa dos
migrantes, a causa do chumbo escolar, etc.
Os
sem-abrigo, os toxicodependentes, as mulheres que querem abortar, os migrantes
são vistos como vítimas da sociedade – pelo que a sociedade tem a obrigação de
as ajudar.
Aos
sem-abrigo é preciso oferecer casas e emprego; aos toxicodependentes é preciso
fornecer seringas e disponibilizar salas de chuto; aos que nasceram no corpo
errado a lei tem de permitir a mudança de sexo cada vez mais cedo e o Estado
tem de pagar a operação; às mulheres que querem abortar o Estado tem de
oferecer condições condignas; aos doentes que querem morrer é preciso
proporcionar uma morte suave; aos migrantes que são apanhados no mar é preciso
dar acolhimento e condições de vida; às crianças que chumbam na escola e ficam
traumatizadas é preciso deitar a mão e acabar com os chumbos.
E depois
são as causas individuais, como a causa de Vuvu Grace, a causa de Joacine Katar
Moreira, até a causa da mulher que deitou o bebé no lixo.
Algumas
destas causas parecem ‘boas causas’. E muita gente bem-intencionada torna-se
sua apoiante ou mesmo militante.
O que estas
pessoas não percebem é que estas ‘causas’ vão todas no mesmo sentido: a
desresponsabilização individual. Os migrantes, os toxicodependentes, as
mulheres que abandonam ou matam os filhos, são todos vítimas, não são
responsáveis por nada. No limite, não há responsáveis – porque os próprios
criminosos comuns também não têm culpa de o ser, pois nasceram na ‘pele’ errada
ou a sociedade atirou-os para a marginalidade e o crime.
E a par
destas causas ideológicas vêm as causas ambientais. Que também têm tendência a
tornar-se ideológicas. Porquê? Sobretudo porque Trump e os seus mentores
contestam algumas das suas premissas e os EUA abandonaram o Acordo de Paris.
E também
porque Bolsonaro ‘deixou arder’ a Amazónia.
Mas, ao
mesmo tempo que os militantes das causas ambientais participam em manifestações
contra o ‘desleixo’ climático, ou a favor da Amazónia, ou contra Trump,
colaboram muito mais ativamente do que as gerações anteriores na destruição do
planeta.
Porquê?
Porque os
jovens de hoje poluem dez vezes mais do que os jovens de há 20 ou 30 anos. Além
de consumirem muito mais, viajam muito mais. Não se contentam com umas férias
na Costa da Caparica ou mesmo na Ericeira, em Sesimbra, na Nazaré ou em Moledo
– fazem férias em destinos longínquos e exóticos: o Bali, o Vietname, o
Cambodja, as Maldivas, a Austrália. Muitos jovens, mesmo de estratos baixos, procuram
estes destinos – sem se preocuparem com os custos ambientais de viagens de
avião para longas distâncias, com descolagens, aterragens e gastos tremendos de
combustível.
Esses
jovens ficam escandalizados se um fulano deitar no lixo uma garrafa de plástico
em vez de a deitar no respetivo contentor. Mas depois consomem brutalmente e
viajam loucamente, com os correspondentes custos para o ambiente.
Vivemos
numa época cheia de mitos, fantasias e contradições.
Mas ai de
quem os denuncie.
Porque os
novos inquisidores estão atentos, apontam o dedo aos heterodoxos, aos
politicamente incorretos, aos que revelam as contradições, as confusões de
valores. Quais bispos fundamentalistas de um novo credo, perseguem os infiéis,
os que não seguem a doutrina. É assim, em todas as épocas, com todos os
detentores da ‘verdade’.
E são
persistentes. Invadem as redações dos jornais e das TVs, batem-se pelas suas
ideias. Mesmo comentadores encartados, com medo deles, evitam dizer abertamente
o que pensam.
E vão
ganhando posições. Veja-se o que Bloco de Esquerda já ‘ganhou’ desde que
surgiu. E atrás de uma causa vem sempre outra, para manter a pressão.
Claro que
chegará a altura em que uma gota fará transbordar o copo.
Vejo muita
gente revoltada, indignada, inconformada. O fascismo surgiu como e porquê? Como
reação ao comunismo e às ideias internacionalistas da revolução russa.
E esta onda
de extrema-direita que cresce na Europa é devida a quê? É uma reação contra a
ofensiva da extrema-esquerda nos últimos tempos, com a política de ‘causas’.
Isto não
vai acabar bem.