Sempre certeiro, aqui afixamos, na praça cá da Aldeia, mais este escrito de Paulo de Morais - sem comentários:
A partidocracia destrói a democracia
Paulo de Morais
(Presidente da Frente Cívica)
Criados para representar as diferentes visões da sociedade,
ao serviço do eleitorado, os partidos políticos estão em fase acelerada de
degenerescência. São
habitados por elites políticas que esqueceram os cidadãos e tudo fazem agora
para manter os privilégios de que se foram apropriando. São os
principais responsáveis pela abstenção, pelo desinteresse crónico pela política
e pela crise da democracia.
O principal objectivo dos maiores partidos portugueses é, na
verdade, manterem-se na esfera do poder, partilhar negócios de Estado com os
grupos económicos de que são instrumento e garantir emprego aos muitos milhares de apaniguados, os
militantes partidários e seus familiares.
O seu primeiro
desígnio é eliminar a concorrência. Instalados no poder, os partidos do sistema
(PSD, PS, CDS, Bloco e PC) garantem o exclusivo das candidaturas ao Parlamento,
para que personalidades independentes não possam ter assento na Assembleia da
República. Não permitem a entrada no seu feudo parlamentar de independentes,
obstaculizam o acesso a novos partidos. Para beneficiar os maiores, permitem-se
violar o princípio da proporcionalidade, que a Constituição exige: em 2015, um
deputado do PSD ou do PS foi eleito com 20 mil votos, mas já o Bloco de
Esquerda e o Partido Comunista necessitam para a sua eleição cerca de 30 mil
votos. Além do mais, impedem que outras forças políticas tenham acesso ao
Parlamento, apesar de algumas delas terem recebido muitos mais votos do que os
20 mil que elegem cada um deles.
Os partidos nem sequer cumprem a lei, em múltiplos aspectos,
o mais escandaloso dos quais é o desrespeito pela legislação de financiamento
político. São recorrentemente condenados, multados pelo Tribunal
Constitucional; mas sem quaisquer consequências, porque o Estado sempre permite
a prescrição, no tempo, das sanções que aplica. Estes partidos garantem ainda,
apenas para si próprios, financiamentos de Estado permanentes. Usufruem de
subsídios públicos de todo o tipo, com os quais mantêm uma máquina de
propaganda, ilegítima fora de períodos eleitorais. Só em Portugal há, em
permanência, propaganda partidária nas ruas, uma forma de lavagem cerebral
sistemática. Utilizam até o domínio público como propriedade sua: são aos
milhares os pequenos cartazes ilegais, degradados, apensos a candeeiros
públicos, de propaganda ao Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. Este lixo
urbano deveria ser removido pelas câmaras, o que não acontece, porque os
partidos estão acima da lei.
Agarrados como lapas ao Estado, os dirigentes partidários
distribuem benesses e privilégios pelas empresas que os financiam e para as
quais vão mais tarde como assalariados. Foi o que sucedeu com as ruinosas
parcerias público-privadas rodoviárias, cujo maior agente foi a MotaEngil, que
acabou a albergar quase todos os ex-governantes do sector das obras públicas:
de Jorge Coelho a Seixas da Costa, do PS, a Valente de Oliveira e Ferreira do
Amaral, do PSD. O mesmo fenómeno de promiscuidade entre política e negócios
marcou a onda de privatizações ao desbarato, manipuladas por políticos que hoje
recebem tenças milionárias nas empresas que os próprios partidos privatizaram.
O socialista Luís Amado preside à privatizada EDP, assessorado pelo
social-democrata António Mexia e pela centrista Celeste Cardona. Para presidir
à privatizada ANA, foi designado o ex-ministro José Luís Arnaut. A lista dos
políticos de negócios é interminável, neste infernal sistema de portas
giratórias que coloca o Estado ao serviço de interesses privados.
Além de negócios e rendas milionárias, os partidos garantem a sobrevivência económica
dos seus apoiantes através da atribuição de muitos milhares de empregos.
Usam, para este fim, a
administração central, as autarquias, as empresas municipais, os institutos
públicos. Transformaram-se mesmo na maior agência de emprego do país. Assim, os
partidos tudo fazem para manter o statu quo: controlam o sistema eleitoral,
impedem a apresentação de alternativas, violam leis, utilizam recursos públicos
em seu proveito, manipulam a opinião pública, enxameiam as televisões com
comentadores facciosos, censuram todo o discurso contraditório. Ameaçados pelo
desmoronar das bases democráticas, preferem apelidar de populista qualquer alvo
em movimento, do que realmente regenerar a sua missão. Os partidos, que
deveriam ser a essência da democracia, estão a aniquilá-la.
in Público, 2019.01.17
Fiquei a saber, por este texto, que fui um ex-governante do sector das obras públicas! Do que me lembro, fui secretário de Estado dos Assuntos Europeus, funções em que, como é óbvio, nunca tratei de obras públicas. Deixei esse lugar em 2001. Mais de 12 anos depois, ao final de 42 anos de função pública, aposentei-me. Tal como sucede um pouco por todo o mundo, com diplomatas que saem de atividade, aceitei um convite para assessorar uma empresa que atua em 26 países, para a ajudar a avaliar riscos e oportunidades de trabalho. Isso, pelos vistos, para alguns observadores em Portugal, é “proibido”. Tomei nota.
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