domingo, 23 de julho de 2017

«É a tragédia, o drama, a dor, o horror.... aqui em directo!» - jornalismo à Artur Aldrabã

Fez escola, esse jornalismo à Artur Aldrabã, directamente de Omã... (dizendo estar no Koweit...)...

Foi a "escola" das SIC's, das TVI's, das ditas "televisões independentes", que tanto vendiam sabonetes como presidentes da república, tudo dependia do "share"...

Mas não só televisões, a pasquinada, decalcando os tablóides ingleses, nessses loucos anos 90 do PREC da (in)comunicação social, fez o que podia para afirmar esse "novo jornalismo", de vanguarda, que fabricava heróis e vilões, mandava abaixo secretários de Estado e ministros, e parava barragens por causa de umas rupestrices...

Mas a "fauna" foi sendo progressivamente domesticada, tornando-se, em alguns casos, "cães de guarda" (a expressão é de Serge Halimi) dos regimes que iam fabricando. Que lhes resta(va)? uns casos de polícia, tipo "O Fugitivo", com efeito novela, com Palitos e Pedros Dias nos papéis principais... Mas, caçados os tipos, acaba(va) o filão.

Assim sendo, filão inesgotável é sempre o dos fogos de verão (é como a época de praia, há todos os anos). E dá sempre uns belos "bonecos", como eles dizem lá na gíria deles... E com algumas nuances, vem sempre aquele tom apocalíptico à A. Aldraban, granda Mestre, que fez escola...

Mais uma vez, não só nas TV's. Do outro dia, vi numa revisteca um artigo sobre o tema, em que uma pindérica jornalisteca (pela pinta devia ser da Lísbia), até se vestiu a preceito com uma espécie de camuflado (desses a imitar o da tropa), para ir para o "teatro das operações" - E lá estava a pindérica, assim vestida, para a fotografia, com o cenário das chamas por trás... Mas, NÃO TERÁ ESTA GENTE A NOÇÃO DO RIDÍCULO??? - Ainda pensei em mandar por aqui umas bocas das minhas, cá na praça desta virtual Aldeia, ao menos para desopilar os fígados, mas achei q não valia a pena. Era gastar cera com ruins defuntos...

Mas, ao receber, através da mão de um amigo a prosa que se segue, o qual, por sua vez também a recebeu de outro amigo, enfim, e porque isto não sai nos jornais e nas televisões deles, aqui vos fica:


Este texto (de autor que desconheço) foi-me remetido por um amigo e reflecte bem o que eu penso.

Pacheco Pereira (na "Quadratura do Círculo" de há 2 semanas) considerou que estas "reportagens" são uma masturbação da desgraça


As vítimas dos incêndios e da televisão... VERGONHOSO !

Nas televisões, o incêndio de Pedrógão Grande resultou num avatar técnico-totalitário da “obra de arte total”, na qual se dá uma confrontação dialéctica das várias artes. Com as imagens captadas pelos drones, a SIC compôs um filme com uma banda sonora que não era a Cavalgada das Valquírias, o excerto de uma ópera de Wagner a que Francis Ford Coppola deu uma grandiosa forma cinematográfica em Apocalypse Now, mas tinha a pretensão da “grande arte” wagneriana.
Diz-se que os pilotos operadores dos drones, combatentes de uma guerra à distância, antes de disparar gritam de júbilo: “Oh, que belo alvo!” A nauseabunda estetização da catástrofe servida ao espectador — o “belo” cenário trágico resultante das montagens e encenações feitas nos estúdios das televisões — também mostra que alguém, certamente uma equipa, rejubilou com os seus belos alvos que lhes fornecem matéria para uma grande produção a baixo preço, para um filme-catástrofe que não precisa de efeitos especiais, só precisa de uma montagem bem ornamentada e música a condizer. Tudo devidamente sublinhado por textos, legendas e designações (por exemplo, “a estrada da morte”) que remetem para as grandes ficções de Hollywood. Às vezes, sobre essas imagens sobrepõe-se uma voz-off que lê um texto a imitar qualquer coisa de literário, a sublinhar a operação que reduz a tragédia real a uma opereta obscena. A estetização é uma violência exercida sobre as vítimas da catástrofe e, paradoxalmente, tem o efeito de uma anestesia aplicada ao espectador.
Para as televisões, para a maquinaria dos directos e ao vivo, uma catástrofe como esta é um momento do sublime. Se a emergência dessa categoria estética que é o sublime está relacionada com os sentimentos de medo e de terror perante algo que excede toda a medida, é preciso no entanto que a ameaça que eles representam seja suspensa para que da dor nasça o prazer. As reportagens da televisão, muito especialmente as imagens estetizadas que passam a servir de separadores ou de fechos do noticiário, procedem a esta conversão da dor em prazer. São maléficas e eticamente execráveis. Devemos perguntar como é que os jornalistas dos vários canais de televisão se relacionam com elas.
O sublime, como sabemos, tem a dimensão do irrepresentável, deixa a faculdade da imaginação e a fala aniquiladas perante algo que tem uma potência ou um tamanho desmesurados. Por isso, é sempre ocasião para o uso de meios retóricos curtos, mas enfáticos. Para não ficarem em silêncio, para não dizerem pura e simplesmente que não têm nada a dizer ou que tudo o que são capazes de dizer é trivial, os repórteres recorrem aos parcos meios linguísticos que têm à sua disposição. Por exemplo, a palavra “dantesco” (para além de uma certa dimensão, o incêndio é sempre “dantesco” e configura “o inferno”). E porque os processos de descrição, na televisão, consistem sobretudo em mostrar, em dar a ver, entra-se sem pudor na exibição das imagens obscenas. Como vimos, alguns repórteres (Judite Sousa parece que não foi a única) nem hesitaram em aproximar-se dos cadáveres e oferecê-los aos espectadores como imagens ostensivas. Como uma personagem do filme de Francis Ford Coppola, eles poderiam dizer: “I love the smell of napalm in the morning.”
Face à falta de meios linguísticos (e de tempo para qualquer elaboração mais cuidada) e porque a televisão pratica quase como ideologia jornalística um realismo ingénuo que acaba por nunca produzir o desejado efeito de real, os repórteres ou debitam lugares-comuns que não têm nem valor expressivo nem descritivo, ou recorrem aos testemunhos. Põe-se um microfone e uma câmara diante de pessoas em estado de choque e pede-se-lhes que elas testemunhem, que elas descrevam, que elas superem a afasia em que a situação as colocou. A violência é inominável e a televisão torna-se patética, no duplo sentido da palavra: porque quer mostrar o pathos, dê por onde der; porque exibe a estupidez na mais elevada expressão.
Devemos novamente perguntar: a que coerção estão submetidos os jornalistas para que aceitem o papel de idiotas? Ou fazem-no voluntariamente? Os jornalistas tornam-se então indivíduos ávidos, paranóicos, como os amantes que não se satisfazem com um simples “amo-te”. Desconfiados com a declaração tão lacónica, achando que o amor é uma imensidão que precisa de se dizer com mais palavras, perguntam: “Amas-me como?” E o outro responde: “Amo-te como se fosses o mais doce dos frutos.” E aí começa um encadeamento de metáforas cristalizadas, de estereótipos. Assim são os jornalistas munidos de microfones e de câmaras: não desistem de querer extorquir as palavras e a alma aos seus interlocutores; não deixam de querer arrancar testemunhos a gente moribunda ou a viver a experiência dos limites.
Esta maquinaria é totalitária, expansiva, reduz tudo a uma peça integrada. Este jornalismo é um aparelho ao serviço da lógica da “partilha” da comunicação, da informação e da opinião da nossa época. A utilização dosdrones realiza na perfeição esta atitude predadora de quem se acha munido do olho de Deus: o olho que abarca, na vertical, a totalidade do mundo. Era fatal que a televisão viesse a pôr ao seu serviço o drone de omnivisão, dotado de uma vista sinóptica, capaz de uma vigilância de largo alcance,“wide area surveillance”, como se diz na linguagem da guerra. 


Sem comentários:

Enviar um comentário