quarta-feira, 7 de maio de 2014

Os bombos da festa

Havia dantes uma classe socioprofissional normalmente detestada pelo comum dos tugas, porque eram considerados indolentes, arrogantes, arrivistas, e que normalmente chegavam aos cargos (quando não, "tachos") por via dos compadrios, cunhas e paus-de-bandeira nas caravanas e comícios partidários (isto na fase pós-25/04, pois anteriormente era através da Legião, ou inscrição na União Nacional). No tempo da "outra senhora", como o Salazar era "fómento" (outros diriam, comedido na despesa pública), o funcionário público era mal pago, mas, apesar disso, era invejado (e, como tal odiado) pelos demais, porque tinha algum poder (os "petits pouvoirs") e porque, chovesse ou nevasse, "o dele pingava sempre certinho ao fim do mês", ainda que fosse pouco. Mas isto era sempre compensado com algum pé-de-meia com que se poderia comprar uma leira, onde se plantavam umas couves e se criavam umas galinhas e da fome estavam os ditos resguardados. Até que por meios de graxa aos chefes, sempre se conseguia alguma mordomia mais, além dos bons contactos que se granjeavam no exercício profissional. Já para os outros era sempre a incerteza, sem resguardo. No pós-25/04, a fim de se pagarem favores políticos ou a adesão de proles (quanto mais alargada a família, tanto melhor, pois representava muitos votos), houve que arranjar empreguinho a muita boa gente, sobretudo a nível das autarquias, sempre engrossando a seguir a cada acto eleitoral. Mais uma vez, como não dava para todos, os "outros", os que ficavam de fora, passavam a nutrir um ódio visceral aos que tinham entrado para o sistema... E, no que toca aos "costumes" pequeno-burgueses, a coisa piorou, e de que maneira: desde os cafezinhos a meio da manhã e da tarde, com lanchinho, nas horas de serviço, no café da esquina, ao proverbial "coçar de tomates" e tirar o lixo das unhas com a tampa da esferográfica Bic, porque em alguns "serviços" até se estorvarem, por tantos serem. E quem não se lembra da piada que dizia que o funcionário publico nunca apanhava a Sida, porque não levantava o rabo para fazer nada? - Assim se foi avolumando o ódio ao funcionário público.
Quando começou a cruzada neoliberal, direccionada para o desmembramento do Estado, estava bom de ver que a Função Pública ia ser o alvo preferencial. E isso até colhia votos, atento o tal ódio dos "outros" a esse grupo de privilegiados, visto que "os outros" eram (ainda) maioritários relativamente aos tais "malandros". Racionalizar o Estado, moralizar o Estado, cortar na "despesa pública", tinha sempre subjacente o ataque aos funcionários públicos. Mas há aqui um pormenor: para o senso comum, o conceito de F. P. tanto mete no saco os serviços da administração central como os das autarquias, onde residia/reside o principal cancro. Mas, se no primeiro caso, o ataque foi/é desvastador, no segundo, os mesmos têm sido algo poupados, pelo menos no que toca à política de despedimentos. Porquê? Creio que é fácil de explicar: é que na função pública autárquica estão as bases do sistema, os que colam os cartazes e fazem as campanhas - os funcionários dos partidos - os que elegem os dirigentes (sobretudo os do "Centrão"), que, depois, têm na toda-poderosa ANMP um verdadeiro sindicato político, com mais peso do que o STAL. Por isso, vão sendo um pouco mais poupados que os demais.
Resumindo e concluindo, que era necessário moralizar e disciplinar o sector (Função Pública) penso que nisso todos estamos de acordo. Que isso implicava cortar alguns privilégios, também estamos de acordo. Que a "reestruturação" deveria implicar algumas fusões de serviços, mexidas inteligentes nos organigramas, também nos parece pacífico, se bem que sujeito à discussão interna no âmbito desses mesmos serviços. Mas, suspeitamos que, além dos cortes com meros objectivos contabilísticos para alcançar metas troikianas, houve (e há) um objectivo de desmantelamento de serviços públicos para entregar certas funções (e, no futuro, todas!) aos privados, com manifesto prejuízo para as camadas mais frágeis da sociedade (que é a esmagadora maioria - ver o post anterior, neste blogue). Ou seja, os patacôncios que hoje aplaudem a ofensiva anti-função pública, um dia destes terão saudades em que tinham um serviço público gratuito, ou quase, em vista das mais-valias (o tal lucro sempre ávido) que a "função privada" cobrará, na melhor lógica do Capitalismo selvagem (=neoliberalismo). E não me venham com as virtudes "auto-reguladoras" do Mercado. Basta ver como se combinam as gasolineiras e como aí funciona essa "auto-regulação"...


Enfim, feito este introito, aqui vos fica:


«Função Pública - Trabalhadores do Estado já custam o mesmo do que em 1981

Durante os últimos três anos, após a entrada da troika em Portugal, foram várias os sacrifícios pedidos aos portugueses, porém, talvez nenhum setor tenha sido tão afetado com o da Função Pública. Segundo notícia esta quarta-feira o jornal Público, a despesa com os trabalhadores do Estado regrediu, em termos orçamentais, para valores que só encontram paralelo em 1981, esperando-se que este ano esta rubrica absorva apenas 9,5% do PIB.
Cortes salariais, congelamento das carreiras, rescisões amigáveis, horários de 40 horas semanais e, por exemplo, cortes nos subsídios de férias e Natal, foram algumas das medidas impostas pelo Governo para fazer baixar a despesa com funcionários públicos.


O resultado? De 2010 a 2014, o peso da despesa com trabalhadores do Estado baixou dos 12,2% para os 9,5% do Produto Interno Bruto, valor que em 2015 deverá chegar aos 9%, segundo o que está inscrito no Documento de Estratégia Orçamental.
Mas a estratégia seguida pelo Governo poderá não dar os frutos pretendidos, uma vez que, segundo Joaquim Filipe Araújo, especialista em gestão pública da Universidade do Minho, consultado pelo jornal Público, o resultado final poderá ser apenas contabilístico, ficando a faltar fazer a verdadeira reforma do setor.
“Todas as mudanças que ocorreram nos últimos anos não têm qualquer estratégia de fundo e visam a resolução de problemas de curto prazo. (…) No final resolveremos a questão das contas públicas, mas criaremos um problema: uma administração fragmentada e sem coerência”, refere Araújo relativamente ao caminho seguido pelo Governo nos últimos anos e confirmada por José Oliveira Rocha, investigador na área da Administração Pública, que considera que “o Governo não se preocupou em gerir a administração pública, optou antes por gerir cortes”, referiu a este propósito.
O certo é que, três anos depois da entrada da troika em Portugal, de 2011 para 2013 o corte para os funcionários públicos com salário bruto acima de 1500 euros foi de 3,5% a 10%, sendo que desde o início do presente ano se verificou um corte também para os assalariados do Estado que recebam mais de 675 euros, que, neste caso, pode ir dos 2,5 aos 12%.»
in: http://www.noticiasaominuto.com/economia/213970/trabalhadores-do-estado-ja-custam-o-mesmo-do-que-em-1981?utm_source=gekko&utm_medium=email&utm_campaign=daily

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