quarta-feira, 13 de julho de 2016

Ainda a vitória portuguesa: Saint Denis (2016) vs. Aljubarrota (1385) e algo mais...

(foto Reuters)

Depois que todos os bitaiteiros de serviço já debitaram tudo e mais alguma coisa sobre a vitória da selecção portuguesa no campeonato da Europa/2016, penso que já não há mais nada a dizer.
Mas como ainda não encontrei escrito (se calhar já alguém o disse, mas não chegou aqui à Aldeia), algo que logo me ocorreu, deixem-me cá também meter a foice na seara, se bem que já ninguém faça as segadas, nem colha palha nem grão.
O primeiro aspecto a destacar, foi, antes do jogo, a possibilidade de um combate de David e Golias... a probabilidade de se acertar com a pedra entre os olhos do gigante, para mais este a jogar em casa, era muito diminuta, para não dizer nula, além de que, desde o princípio, embora eu seja pouco dado a fubebóis (um novo ópio do povo, para usar a expressão de um certo Carlos Marques, que viveu no século XIX), fiz parte do enorme batalhão de cépticos que duvidava que esta selecção fosse a algum lado, a jogar como jogava...
Percebi, depois, que era uma questão de tacticismo, que o treinador, engenheiro, resumiu na equação:
jogamos bonitinho > perdemos!, logo, há que jogar feiinho, fechadinho, com muitas cautelas e caldos de galinha, e pode ser que se chegue lá... - dúvida que o homem não exteriorizava, antes pelo contrário, para motivar a malta. Entretanto, porrada da velha, da parte dos críticos, a começar pelos da casa - que nisto os tugas são, de facto, muito bons!
Quando a coisa se começou a compor, chegada a selecção às meias-finais, alguns começaram já a falar de um "futebol científico", de "bata branca", como traço característico do Engenheiro.
Eu, Tomé, me confesso, que, quando, entrado o jogo final com a todo-poderosa, chauvinista e arrogante França, vi arrumarem com o C. Ronaldo, imaginei o descalabro! No mínimo uns 5-0, mas já não era mau chegar-se à final, e o episódio da pantufada no Ronaldo mais do que justificava o desaire. Já tínhamos uma boa desculpa, pois que não era garantido que, mesmo com Ronaldo, algum dia se ganhasse alguma coisa, a não ser... juízo!
Mas, eis que chega o final da 1ª parte, e não é que a rapaziada consegue aguentar o resultado nos 0-0. Bem, isto já é uma vitória, pensei, perante estes franceses que julgavam que aquilo ia ser como quem limpa cús a meninos, e, mais ainda, sem Ronaldo... Continuei a ver, e ia constatando que a rapaziada do "petit Portugal", sempre que podia, ameaçava o Golias, em vez de se encolher em frente da baliza, à grega em 2004. Chega o final dos 90 minutos e... o impensável: 0-0.  Para mim, já era uma vitória - e, para mais, sem Ronaldo!!!  - Os franciús já tinham levado uma pequena grande lição, para não serem tão arrogantes e pensarem que eram favas contadas.
Aguardando por um massacre ao prolongamento, passa a 1ª parte do dito, e, eis que persiste o 0-0. Ah, já me esquecia, o Empate era a grande especialidade da malta neste campeonato, e, parece, que a grande estratégia do F. Santos. Bem, se se conseguir aguentar isto e obrigar a França aos penaltis, isto era já, de novo, uma grandiosa humilhação para a França... A imaginar as manchetes da imprensa mundial, no dia seguinte, a dizerem: o "petit Portugal" obriga a França a ir a penáltis... - E, para se cumprir o Fado, morreríamos na praia, como sempre.
Mas... le voilá!... para minha grande surpresa, o improvável aconteceu. Um para mim desconhecido rapaz, nascido nas Guinés, viria a salvar a honra da selecção portuguesa, resgatando-a de tudo quanto mal dela se disse - e, decerto, continuaria a dizer. O treinador, o Engenheiro, tinha dado o mote, na véspera: "que gozo me daria ver nos jornais, no dia seguinte, que uma selecção que não joga nada, ganhou o campeonato" - mais ou menos isto. E ainda acrescentou: "isso é que eu ia gostar!... aliás, vou gostar". Tudo isto, conjugado com um vaticínio que o mesmo fizera, muito antes, de só regressar a casa no dia 11/07, e "em festa", e, ainda, o ter aparecido logo após a vitória, com um discurso aparentemente escrito algum tempo antes, e, mais ainda, a sua devoção religiosa e a menção final, que de pronto entendi - "non nobis domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam" - fizeram-me crer que isto tinha sido, na verdade, algo miraculoso. Aquele guarda-redes que defendia tudo, aquele providencial remate francês ao poste, e, no final, um improvável "patinho feio" malquisto, que assim foi tocado pela Graça de ser o Salvador de uma pátria vilipendiada e eternamente sob a espada de Dâmocles de um eterno "default", sim, tudo isto, soava a algo estranho e incompreensível à razão humana...
Pus-me a ler algo mais sobre o Condestável da selecção portuga, e foi-se-me fazendo Luz e julguei ter entendido melhor o milagre de Saint Dennis... Uma réplica de Aljubarrota, muitos séculos depois. E também aí, grande parte dos cronistas da época escreveram que o que os tugas fizeram ia contra todos os preceitos da guerra (as "covas de lobo", os archeiros ingleses - o arco era visto como uma arma algo covarde, porque matava à distância)... Também aí não se deve ter "jogado bonitinho", mas se o objectivo era ganhar... foi conseguido! E o Nun'Alvares, S. Nuno de Santa Maria, igualmente um místico tocado pela divina Providência. "Humildes como as pombas, mas astutos como as serpentes!" - provérbio mencionado pelo Fernando... Santos!, em resposta a um jornalista brasileiro durante a conferência de imprensa final, creio que resume todo um programa. Por isso, um outro jornalista, a propósito da afirmação "só vou para casa dia 11 - e vou ser recebido em festa", acabou a ironizar, após a chegada à final: "o que é que ele sabe, que nós não sabemos?"
- Depois o milagre ganhou outras latitudes, ainda antes da final, como se uma corrente eléctrica começasse a galvanizar forças invisíveis e planetárias: não só os emigrantes portugueses pela Europa, mas por todo o mundo. E não só os emigrantes!... a páginas tantas, grande parte da Lusofonia: do Brasil a Timor-Leste. Por momentos, parece que se reconstituía a velha pátria multicontinental e plurirracial, posta em causa em 74. Se considerarmos que o golo salvífico foi de um natural da antiga Guiné Portuguesa (ainda que nascido já depois da independência), que o grande defesa Pepe é brasileiro, mas que, ainda há filhos da emigração, como Raphael Guerreiro, já nem sequer falando português, ou outros guerreiros com nomes afrancesados (Adrien, Cedric), somos levados a concluir que o "império do Espírito Santo", de que falava Agostinho da Silva, anda por aí, e, afinal, é no Futebol que se corporiza! - que outra coisa poderia fazer vibrar o mais longínquo e diferente dos povos que tocámos, os timorenses? - Gente que acordou de madrugada, ou não se deitou, para ver o jogo da final, como já tinham festejado, como ninguém, o triunfo nas meias-finais? - Há, neste caso, uma empatia antiga, que desmente essa coisa dos "bandidos exploradores e colonialistas", labéu que se nos colou à pele (e que certa "inteligentzia" tuga assumiu num exercício de auto-flagelação interminável), mas, não deixa de ser outro lado do milagre.
- Quando, pelos dias de júbilo, um pobre paízeco que deu a volta ao mundo e acabou pobrezinho - o "petit Portugal" - anda pelas ruas da amargura, com ameaças (e parece que mais que isso) de mais sanções e castigos por parte da Europa rica e arrogante, e, em contrapartida, recebe este conforto de outros povos e comunidades dispersas pelo mundo, tendo por obreiros os esforçados combatentes de uma selecção de futebol, ainda que isto não nos salve, não deixa de ser um certo bálsamo para certas dores antigas.
Obviamente não acreditamos que esta pequena "Aljubarrota" tenha algum efeito redentor, como aconteceu em 1385, e que se consiga algum reencontro com o Mundo por onde andámos (o Passado ficou lá atrás), fazendo-nos saltar por cima desta Europa moribunda que só arreganha os dentes aos pequeninos, como diria Calimero: "qui tutti ce l'hanno con me perché io sono piccolo e nero... è un'ingiustizia!"
- Mas, decerto, não ficaria mal aos senhoritos da política (ou pulhítica), porem os olhos nos trabalhadores do Desporto (e não só no Futebol, pois que nesta mesma ocasião, o Atletismo deu cartas), de forma a conseguirem levar "isto" a bom porto...  Ah, já quase me esquecia de um outro triunfo tuga, não sei se político, ou, agora, financeiro: o Cherne de águas profundas!! - mas deste não nos ocuparemos hoje.

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