Da Aldeia os bons partiram há muito. Eram os mais capazes, os mais inteligentes, os mais sensatos. Os que ainda restam (ou restavam), ou iam aparecendo, anunciam-me que não tardam a partir. Alguns partiram para sempre, para o Além, jazem no campo santo... Manel, meu bom Amigo, lá onde estejas, sei que estás a ler-me e a sorrir... Só os filhos da puta não morrem, porque o Mal, esse é eterno. O veneno os conserva... E à medida que a Aldeia minga, que os empregos disponíveis (para não falar dos "tachos"), ou as oportunidades para esmirfar a teta da vaca da junta de freguesia, ou os dinheiros públicos, vão escasseando, mais os chicos-espertos olham de través para os que ainda restam que lhes possa fazer sombra. Na terra dos cegos, esses que se julgam com um olhinho vivo e pé ligeiro, de coluna vertebral mais do que dúctil, serpentina, almejam ser os reis. E entram a odiar de morte aqueles que eles sabem que têm dois olhos e lhes topam o jogo. Nem precisam de fazer sombra: basta saber que lhes topam o jogo. Além dos pobres homens e mulheres que trabalham e vão vivendo a sua vida, eram os puros, os honestos de antigamente, em extinção, a acabar no lar da terceira idade, há uns típicos papalvos ditos de "classe média", outros uns valdevinos que nada fazem mas com pretensões a intelectuais e que não suportam quem, no entender deles, os não deixam "brilhar" e estender-se ao comprido no sol dourado da "sua" Aldeia. Tornando-se bichos muito territoriais, tentam apoderar-se da Aldeia, consideram-se donos dela, e daí ao "vai lá para a tua terra!", mal pressentem que alguém dos que eles odeiam tem o
handicap de não ter nascido no seu curral. Às vezes disfarçam, usam a tal duplicidade que lhes advém da dita ausência de coluna vertebral: pela frente uma coisa, por trás são outra. Então, à mínima questão, o verniz estala-lhe e o veneno vem ao de cima. E como lhes falta o intelecto (apesar de terem pretensões a tal), partem para a força e para a violência, aspirando assim à categoria de heróis que conseguiram correr com o cão que não tinha o mesmo cheiro - também é uma questão de feromonas... - O "bairrismo" é a expressão da territorialidade animal teorizada por K. Lorenz.
O grande mérito de Rentes de Carvalho foi o de ter desmistificado a Aldeia... sim, nós também a fantasiámos, a enaltecemos, a defendemos como reduto de todos os valores positivos, por oposição ao mundo cão exterior. Ingenuidade... - Como bem a pintou Rentes (basta ler "Ernestina", esse livro cruel), a Aldeia não é idílica; é violenta, pérfida, velhaca, invejosa, intriguista, conspirativa, delatora, chantagista, e sei lá de que mais é capaz para trucidar aqueles em que, basta um, ou uma, ponha a mira. Sim, pode haver uma excepção ou outra, mas não passam disso mesmo: excepções! - As tais que vão partindo, e desguarnecendo a Aldeia do sentido crítico positivo, ou seja, de sensatez.
Nestes tempos de fome, de finitude, em que área do pantanal se vai reduzindo e o esterco concentrando, parece que a violência e o veneno se concentram também, tornando a Agressividade exponencial contra os que eles sabem que não são "dos seus". - Daí ao animalesco "vou-te correr daqui pra fora", é um passo... - E não adianta andarmos a cobrir isto com florinhas primaveris...
Não há flores que nos salvem e disfarcem o cheiro putrefacto que se exala destes mundos em extinção... Não há remissão possível. Mas, partir, é fazer-lhes a vontade e, isso sim, seria um acto de cobardia. Ficar, talvez seja um exercício de masoquismo, mas a resistência não é para os fracos....
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