Mão amiga, de um outro Zé, no caso a viver na cidade, mas sempre atento ao que se passa cá pela Aldeia, fez-nos chegar a carta do Júlio, que vai em baixo.
Sublinhámos a amarelo duas passagens:
1 - onde se expressa a suspeita de que esta Crise foi forjada para se implementar uma agenda neo-liberal - o que também defendemos há muito tempo...
2 - a referência a uma "solução final", ainda que o autor espera que assim não o seja - pois também já aqui o afirmámos, e também um dia em que tal ousámos dizer, para "escândalo" de uma "virgem (im)púdica", que contra-atacou com um pretenso insulto à memória dos judeus do Holocausto; mas logo vimos que tal tirada era uma mancha de tinta largada por um choco quando se sente tocado... foi só o caso de ir espreitar o Facebook do dito cujo e concluir que meses antes estivera num grande comício do Partido Republicano nos EUA!... Concluí que outrora havia uns rapazes que iam à URSS a mudar a cassete; agora há outros rapazes, lambidinhos e engravatados, que vão ao outro lado fazer o "upgrade" doutrinário... O mais caricato foi que a minha crítica tinha a ver com o plano de extermínio (em curso) da Função Pública; pois o mamão, obviamente concordando com tal extermínio, não é que estava num instituto público, como... "relações públicas"??? - E, aos depois, vim a saber que ascendeu a "public relations" de um desses rapazolas que chegaram a Secretários de Estado, por ínvios caminhos partidários. - Pois é verdade!.... A função pública é uma merda, mas não vejo esta rapaziada tão "empreendedora" a criarem empresinhas inovadoras, e a buscarem o tal sucesso à americana... Nada disso! lá andam eles, lampeiros (como diria o Pacheco P.), a pendurar-se na teta do Estado! - Que bem pregam estes S. Tomazes...
Mas, vamos lá à carta do Júlio:
Júlio Isidro - Não quero morrer sem...
eu
não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.
NÃO, NÃO ESTOU VELHO!!!!!!
NÃO
SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO!
Passaram 40 anos de um sonho
chamado Abril.
E lembro-me do texto de
Jorge de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor da liberdade.
Passaram
quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, em espanto, que são
responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente,
ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações
próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o
seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.
Sou dos que acreditam na
invenção desta crise.
Um “directório” algures
decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente
verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. a
dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.
Serviu para despedir, cortar
salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi
diminuído, embora um nosso ministro tenha dito decerto por lapso, que “o
trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz.
Parece que alguém anda
à procura de uma solução que se espera não seja final.
Os homens nascem com direito
à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.
Foi perante o espanto dos
portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o
Estado que se comprometia devolver o investimento de uma vida de
trabalho. Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.
Agora, os velhos atónitos,
repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida.
E ainda tem que dar para
ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível.
A
Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o milagre da
multiplicação dos pães.
Morrem mais velhos em solidão, dão por
eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de sair de casa,
suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e
filhos mancham-se de sangue , 5% dos sem abrigo têm cursos superiores,
consta que há cursos superiores de geração espontânea, mas 81.000
licenciados estão desempregados.
Milhares de alunos saem das
universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos
desistem de estudar para procurar trabalho.
Há 200.000 novos emigrantes,
e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de espectadores.
Há terras do interior, sem
centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão
cheios com bilhetes de centenas de euros.
Há carros topo de gama para
sortear e auto-estradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo
explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a
boçalidade.
Há 50.000 trabalhadores
rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes vitórias da venda de
dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados.
Há romances de ajustes de
contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para
ambas as partes.
Aumentam as mortes por
problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há
enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem
muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do
senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos
os americanos. Também ele tem um sonho…
Há a privatização de
empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas.
Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?
E há a saída à irlandesa
quando eu preferia uma…à francesa.
Há muita gente a opinar,
alguns escondidos com o rabo de fora.
E aprendemos neologismos
como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário
do que está escrito no dicionário.
Mas há os penalties
escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita
conversa, muita conversa e nós, distraídos.
E agora, já quase todos
sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária.
Surrealista…
Mas há os meninos que têm
que ir à escola nas férias para ter pequeno- almoço e almoço.
E as mães que vão ao banco….
alimentar contra a fome e envergonhadamente, matar a fome dos seus meninos.
É
por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20
anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com
a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a
cor de uma nova liberdade.
Júlio
Isidro