«Ex-futebolista
Eusébio, o 'Pantera Negra', morre aos 71 anos
Comentário do
ti Zé:
Mais do que um grande futebolista, o maior do seu tempo
e, pretendem alguns, um dos maiores de sempre nesta modalidade desportiva,
Eusébio era acima de tudo um símbolo de um tempo, uma época, de um outro
Portugal. Era o Portugal da minha infância, eu que nunca o conheci, a não ser
inicialmente por cromos que se comprava com um rebuçados baratos e se colavam
numa caderneta, depois por fotografias de jornal, pelos relatos radiofónicos de
futebol e pela televisão mais tarde. Eusébio era o símbolo de uma utopia que em
dado momento sonhou um Portugal plurirracial e multicontinental, do Minho a
Timor, e provou que isso até era possível.
Nem todos os “colonizados”, pelos vistos, desenvolveram
essa “consciência nacionalista” que, segundo os clichés esquerdóides da época e
de hoje, se impunha. Por isso, talvez, para esses, não passasse de um “renegado”,
um colaboracionista, ou um simplório. Na verdade, foi um homem que apenas
queria jogar à bola. Mais nada. E fê-lo muito bem, como se sabe. Que se
integrou bem num mundo ainda exclusivamente de “brancos”, que era a “metrópole”
de então, mas que dava sinais de querer integrar gente que vinha do seu
ultramar, num tempo em que, por exemplo, na Inglaterra, ainda se vedavam as
portas aos do seu antigo império, ou, por exemplo, nos U.S.A. se abatiam a tiro
os que reclamavam igualdade racial (como aconteceu com um outro King, este de
nome, Martin Luther). O “império” tuga acabou, Eusébio ficou. “Porque se sentia
bem”, disse-o a M. Coluna, também Moçambicano, que por sua vez regressou à terra de sua naturalidade.
Na
verdade, este Homem, Eusébio, foi um grande Português, melhor do que muitos
renegados que por aí andam e outros que andaram, pois que, como disse Camões, “sempre
entre os portugueses,/ houve alguns traidores, /algumas vezes...” (muitas, diremos
nós). Não são fingidas as lágrimas choradas na famosa derrota da selecção
portuguesa em Inglaterra em 66. Seria só a natural amargura pela derrota num
jogo de futebol que decidia um campeonato do mundo? Na verdade, o que é isso de
“patriotismo”? Não sei, mas sei que nunca o Homem se apresentou de punho
fechado e cabeça baixa, no momento de ouvir o hino nacional, como os atletas
negros norte-americanos numas certas olimpíadas no México. Se calhar é isto,
também, que alguns intelectualóides esquerdóides de então (e de hoje) não lhe
perdoarão.
Eusébio era, de facto, um homem
simples, mas não um simplório (mesmo a anedota dos tremoços tinha mais de
carinho do que piada perversa). Acho que sabia bem o que queria, e o que queria
ser. E, se no antes do 25/04 poderia haver quem pensasse que se sujeitava,
porque queria era jogar futebol e ter o seu “lugar ao sol”, que dizer das
imagens mais recentes, anos 90 e 2000 e tal, quando acompanhava a selecção nacional, e
vibrava do mesmo modo. Dir-me-ão que era só o futebol que o fazia vibrar.
Decerto, mas ninguém ignora que o tal de patriotismo hoje, acabado o tempo das
grandes batalhas de lança e espada, ou a marchar contra os canhões, é mais nos
relvados que se define… E ele estava lá,
a torcer por Portugal.
Foi um Português de corpo inteiro, e, como tal, agora
que se discute a sua morada definitiva, é inquestionável o seu direito ao
Panteão Nacional. Já vieram alguns intelectualóides também a questionar isso, e
até a questionar para que serve o Panteão nacional (“Ninguém devia estar no Panteão Nacional”,
disse-o Maria Filomena Mónica, apresentando-se como socióloga, talvez numa
atitude de raposa e as uvas)…
Argumentou-se que isso de Panteão não faz sentido nenhum atento
o facto de haver mais do que um, ou seja, os Jerónimos e a Santa Engrácia. Já
agora podiam acrescentar a Santa Cruz de Coimbra (onde estão o Afonso Henriques
e o D. Sancho), Alcobaça e a Batalha, por onde andam restos de outros reis.
Sim, porque inicialmente só os reis tinham direito a túmulos de referência. Depois
vieram os navegadores, poetas e outros escritores. E cada época teve o seu
edifício simbólico. Se o actual é a Santa Engrácia (com a grande excepção do Fernando
Pessoa), e se se consagra esse espaço como lugar sagrado de representação
nacional, reservado por um colectivo aos seus heróis, porque não? A simbólica é um dado
humano e universal, desde os monumentos “megalíticos”, as pirâmides, os
mausoléus (palavra que vem de Mausolo, rei aqueménida do séc. IV, a.C. cujo túmulo
foi uma das 7 maravilhas do mundo).
A morte democratizou-se, e já não é exclusivo de reis
governantes. Por isso, em democracia, deve imperar a vontade popular, e, à
parte algumas vozes discordantes, é inquestionável que, quer Amália, quer Eusébio,
foram “reis” à sua maneira, reconhecidos nacional e internacionalmente, na sua
arte. São uma forma de consagrar também o Povo na galeria ilustre de uma
posteridade também física, findo que foi o domínio da aristocracia e da
burguesia. Que tenham sido símbolos de um Portugal outro, é que não deixa de
ser uma certa ironia, a que são alheios. O que ambos queriam era fazer muito
bem, aquilo para que nasceram. Acabaram por ser aceites e integrados pelos dois
tempos da História, o que só diz da sua superioridade e explica a
transversalidade. No caso de Eusébio, uma transversalidade até transnacional e inter-continental , pois
que, soube continuar a ser português, mantendo o vínculo com o seu Moçambique
natal, hoje estado soberano, e conseguindo o respeito destes pela sua opção. Li
por aí algures a expressão “luso-moçambicano”. Acho que diz tudo. Acabados os
impérios e os imperialismos, morta a velha utopia, talvez seja tempo de se
(re)pensar uma outra: a de um maior entendimento e cooperação entre os povos
que a História em algum momento juntou, e deixar de remexer na caca, atirando
mais lenha para a fogueira, como para aí li, ainda hoje, em certo jornal
diário, por certo douto revestido de insígnia de “investigador do ICS-UL”.
Preferi ler antes, o depoimento do
timorense Xanana Gusmão: “Inspirou
várias gerações emtodo o
mundo. Não morreu nas nossas memórias”. Só isto; é o que importa. Mas dito em
Português, do outro lado do mundo, por alguém que, parece-me, também é do
Benfica, esta multinacional commonwelth lusíada (e eu sou insuspeito em dizê-lo, pois prefiro o Verde).
Na minha linha de pensamento, concordo
também com o epitáfio do Prof Carlos Queirós sobre Eusébio: “Foi um pedaço de um Portugal diferente,
maior, sem fronteiras, multicultural. O seu trono não pode ser ocupado, porque
o seu reinado não existe mais”.
Já no campo
dos ressabiados, lá tinha de vir esta apreciação do sr. António Pedro de
Vasconcelos (um dos da chub-chídiodependência): [Eusébio] “foi, sem querer, um símbolo para os portugueses do seu tempo”, porque, num tempo em que “ser português era sinal de opróbrio e de vergonha, Eusébio resgatou o nosso orgulho e devolveu-nos a dignidade” (in Publico, 2014.01.07). E hoje, sr.
A-P. Vasconcelos? Hoje ser-se português (pior, Tuga, um protectorado ocupado
por uma troika que nos faz pagar, ad aeternum, com língua de palmo, uma dívida perdulária), não é
igualmente símbolo de opróbrio e de vergonha? Se calhar, à época, o sr. deplorava
que houvesse um homem, ainda por cima de cor, vindo de “territórios indevidamente
subjugados” andasse por aí a promover o nome do Portugal fascista… Daí que
Amálias e Eusébios inicialmente até tivessem sido apodados de fascistóides, até
os tentarem depois “recuperar”, de que esta tirada é exemplo ilustrativo. Que
fique assente, que estas pessoas de excepção apenas queriam fazer o seu
trabalho e exercer a sua Arte, com mestria, marimbando-se para as politiquices…
Análise mais sóbria me pareceu a de
Alexandre Miguel Mestre (in Publico, 2014.01.07): “Eusébio abriu portas a outros, sendo um paradigma de emancipação de grandes futebolistas das províncias ultramarinas, que triunfaram em
Portugal”. Apesar de a palavra “emancipação” ser insidiosa (aliás na linha de análise "científica" do artigo), convergindo com o vocabulário das “Nações Unidas” dos anos 60 (e anterior, haurido nos princípios da Internacional Comunista e conferência de Bandung, 1955): a tal “emancipação” dos
povos. - Porque não dizer que o caso Eusébio foi antes o paradigma da “promoção”
de grandes futebolistas das províncias ultramarinas? É que, pela lógica
esquerdista, até nem “emancipou” nada: antes foram “aproveitados” pelo regime
como forma de “propaganda”… Não se nega o que possam ter sido, mas não se poderá
ver antes ,nesse fenómeno, o início do que ainda hoje são as transferências intercontinentais de
jogadores (sobretudo no mundo do futebol), das mesmas origens (África) ou de outras
(brasileiros, argentinos, mexicanos, etc.), para o futebol europeu, e, se
calhar, qualquer dia, de modo inverso? (como de cá vão treinadores e jogadores
para outros lados)?
Enfim, nem nos momentos de Luto, os baixos instintos
da politiquice ronceira, mesmo (e sobretudo) sob a capa do intelectualismo, deixa de emergir…
Sobretudo quando a vida e a conduta de um Homem lhes contraria os “clichés”…
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Post Scriptum: já depois de escrito e postado o nosso comentário, através de mão amiga chegámos a este outro post do blogue Corta-fitas: http://corta-fitas.blogs.sapo.pt/5593182.html - é sobre a opinião do sr. dr. Mário SóAres, ou D. Mário I, cognome: "o bochechas"... Converge com o que atrás foi dito, revelando uma má vontade de quem ainda não digeriu o facto do "simplório" não ter sido um glorioso anti-fascista, e, para mais, podendo ocupar (ou deslustrar) o lugar que o paquidérmico Matusalém espera vir a ocupar também no Panteão....